A figura dos caras pintadas, mantida nos registros
históricos como um símbolo de um povo descontente e que vai às ruas para lutar
por seus direitos, invoca uma memória. Esta, ao contrário da memória cognitiva,
não é conjunto de informações de onde o sujeito retoma detalhes,
acontecimentos. Ela é, antes de tudo, uma construção. Como Andrade (2011)
discorre ao trabalhar o conceito de memória como algo que sempre se transforma,
alguns elementos são retidos, arquivados, e é através deles que se invoca a
memória, construindo-a como uma narrativa. Assim como uma cadeia de
significantes,
[a] a memória seria,
então, um conjunto de fragmentos desordenados, descontínuos, recalcados,
diluídos, “esquecidos” no inconsciente, que, num determinado momento, um “eu”
se põe a “lembrar” e a organizar na linguagem, por intermédio de uma narrativa,
dando um sentido para os pedaços que afloram no discurso, construindo, enfim,
uma história, de certa forma uma e com um final (...). (ANDRADE, 2011, p. 84)
Lembrar-se
pressupõe, diretamente, o ato de esquecer, como Coracini (2007) aponta. Assim,
não temos uma memória sempre presente, linear e estruturada. Esquecemos e, ao
lembrarmos, (re)construímos essa memória.
Há,
ainda, a questão sobre o arquivo, as inscrições que possibilitam o ato de lembrar
e que se materializam linguisticamente, invocando uma memória. A ideia de uma
cadeia de significantes pressupõe que existem entradas, inserções a essa rede
que levam o sujeito a outras interpretações, outras memórias.
Derrida
(1995 [2001]) trata da questão do arquivo ao desconstruir a noção clássica de
arquivo que abriga a “memória do nome arkhê” (1995 [2001], p.12). Relacionado a
uma ideia ontológica e de comando, o termo “arkhê” marcaria a crença de que o
arquivo seria formado uma memória física, cognitiva e a lei que controlaria
esse arquivo. O filósofo também retoma que o sentido de arquivar, guardar, vem
do grego “arkheîon”, “inicialmente uma casa, um domicílio, um endereço” (1995
[2001], p. 12). Local onde, na Grécia, os arquivos passaram a ser formados. Os “arcontes”,
guardiões dos arquivos, eram os únicos que podiam interpretar o arquivo, possibilitando,
então, que a cada leitura uma nova interpretação fosse feita.